Esta versão do romance "Donzela que vai à guerra", de antiquíssima origem, foi recolhida pelo escritor português Almeida Garrett, em seu Romanceiro.
PARTE 1
— Já se apregoam as guerras
Entre a França e Aragão:
Ai de mim que já sou velho,
Não nas posso brigar, não!
De sete filhas que tenho
Sem nenhuma ser varão!
Responde a filha mais velha
Com toda a resolução:
– «Venham armas e cavalo
Que eu serei filho varão.»
– «Tendes los olhos mui vivos.
Filha, conhecer-vos-ão.»
– «Quando passar pela armada
Porei os olhos no chão.»
– «Tendes los hombros mui altos
Filha, conhecer-vos-ão.»
– «Venham armas bem pesadas,
Os ombros abaterão.»
– «Tendes los peitos mui altos
Filha, conhecer-vos-ão.»
– «Venha gibão apertado,
Os peitos encolherão.»
– «Tendes las mãos pequeninas
Filha, conhecer-vos-ão.»
– «Venham já guantes de ferro,
E compridas ficarão.»
«Tendes los pés delicados,
Filha, conhecer-vos-ão.»
– «Calçarei botas e esporas,
Nunca delas sairão.»
PARTE 2
– «Senhor pai, senhora mãe,
Grande dor de coração;
Que os olhos do conde Daros
São de mulher, de homem não.»
– «Convidai-o vós meu filho,
Para ir convosco ao pomar.
Que se ele mulher for,
À maçã se há-de pegar.»
A donzela por discreta,
O camoez foi apanhar.
– «Oh que belos camoezes
Para um homem cheirar!
Lindas maçãs para damas
Quem lhas pudera levar.»
– «Senhor pai, senhora mãe,
Grande dor de coração;
Que os olhos do conde Daros
São de mulher de homem não.»
– «Convidai-o vós, meu filho,
Para convosco jantar;
Que, se ele mulher for
No estrado se há-de encruzar.»
A donzela por discreta,
Nos altos se foi sentar.
– «Senhor pai, senhora mãe,
Grande dor de coração;
Que os olhos do conde Daros
São de mulher de homem não.»
– «Convidai-o vós, meu filho,
para convosco feirar,
Que, se ele mulher for,
Às fitas se há-de pegar.»
A donzela por discreta,
Uma adaga foi comprar.
– «Oh que bela adaga esta
Para com homens brigar!
Lindas fitas para damas:
Quem lhas pudera levar!»
– «Senhor pai, senhora mãe,
Grande dor de coração;
Que os olhos do conde Daros
São de mulher de homem não.»
– «Convidai-o vós, meu filho,
Para convosco nadar;
Que se ele mulher for,
O convite há-de escusar.»
A donzela, por discreta,
Começou a desnudar...
Traz-lhe o seu paje uma carta,
Pôs-se a ler, e pôs-se a chorar:
– «Novas me chegam agora,
Novas de grande pesar:
De que minha mãe é morta,
Meu pai se está a finar.
Os sinos da minha terra
Os estou a ouvir dobrar;
E duas irmãs que eu tenho,
Daqui as oiço chorar
Monta, monta, cavaleiro!
Se me quer acompanhar.»
Chegavam a uns altos paços,
Foram-se logo apear.
– «Senhor pai, trago-lhe um genro,
Se o quiser aceitar;
Foi meu capitão na guerra,
De amores me quis contar...
Se ainda me quer agora
Com meu pai há-de falar.»
Sete anos andei na guerra
E fiz de filho varão.
Ninguém me conheceu nunca
Senão o meu capitão;
Conheceu-me pelos olhos,
Que por outra coisa não.
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